terça-feira, 17 de setembro de 2013

Vem cá, quero te contar uma história

Revisão do carro, pagar contas, resolver problemas, passar na farmácia... A maldita semana mal começou e eu já estou cheio de problemas. Merda. E você parece que adivinha e vem, assim meio menina, meio protetora, querendo saber se tá tudo ok comigo. Merda de novo. Faz tanto tempo que a gente não conversa. Faz mais tempo ainda desde a última vez que ouvi você gemer. Se eu fechar os olhos não sei ver aquela cena linda, mas lembro que foi foda.
Eu contei, assim por cima, como anda a minha vida e o jeito tranquilo em que você dizia coisas pra me ajudar me fez pensar o motivo que ficamos tanto tempo sem conversar. Ah, a merda da minha rotina e seu chá de sumiço. Perguntou se eu queria um café, pra jogar um tempo fora e sair desses compromissos que me envelhecem uns dez anos. Tempo? Eu não tenho tempo pra jogar fora, mas preciso tanto sair dos rotineiros! E nossa conversa é sempre agradável, estamos no mesmo espaço uma vez por semana, por que não? 
"Ok, a gente se vê as oito então?"

Meu café já estava quase na metade quando você chegou. Curioso, atrasos não combinam muito com o seu perfil. Entrou andando tão depressa que a saia voava e por um segundo toda a sala ficou mais leve. Abriu um sorriso daqueles que esquentam por dentro. Eu sorri e ajeitei a coluna pra sentar ereto, meio pavão tentando impressionar, mesmo não sendo esse meu objetivo. Eu só quero uma conversa boa e alguém que saiba falar mais do que sobre o último lançamento da Apple. 
Pegou um capuccino no balcão, sentou e soltou um sopro bem longo, como se estivesse segurando a respiração a exatos 17 segundos. Não levantei pra dar um beijo no rosto, não tocamos as mãos, o oposto do que se espera de duas pessoas que não se veem a, uns sete meses? Em outros casos eu acharia meio ano um tempo ridiculamente curto, mas você conseguiu me convencer que "na velocidade que o mundo anda hoje - e na rapidez que, particularmente, gira minha vida - em um mês é possível acontecer muitas coisas, e com chances de serem extraordinárias". Pergunto-me, até hoje, se teria como eu discordar desse argumento tão passional e eufórico da vida autodestrutiva que boa parte das pessoas leva hoje. Se as pessoas soubesses todos os dragões que você mata todos os dias, amariam mais ainda esse seu jeito cor de rosa de olhar as coisas.

Você saiu contando dos novos projetos que começou desde a última vez que nos encontramos face a face. Falava com os olhos saltando entre milhares de pontos, fazendo com que eu imaginasse a cena que você me descrevia com tanto entusiasmo. Gesticulava com essas mãos delgadas que parecem não ter osso algum, de tanto que se movimentam. Como é engraçado ver essa euforia toda enquanto eu ainda estou muito puto pelos problemas com o banco ontem.
 'A gente é tão diferente, né?'. 'Mas os nossos olhos tem o mesmo tom, esse castanho meio amêndoa e âmbar, que esporadicamente brinca de se fazer quase verde'. Era o que você diria se pudesse ouvir meus pensamentos. É assim, eu falo do concreto e você vem com poesia, com essa mania de tentar descrever sentimentos e sensações com situações. 'Nomear essas coisas que a gente sente é difícil e me dá nó. Além de ficar limitando', bem pensamento de quem escreve e tem esse olhar rosa pro mundo. Sua maluca.

Um ridículo segundo de não vigília e sem querer eu vislumbrei seu peito subindo e descendo no meio desse discurso eloquente. Eu sei o tamanho exato que esse sutiã esconde, pra mim não adianta essa pequena armadura... Merda! Porra, onde foi no meio da conversa que surgiu qualquer palavra que evocasse uma provocação? Ninguém falou nada do tipo 'excitante', 'cama', 'calor', 'orgasmo', ou qualquer palavra de bosta do nosso dicionário que pudesse me fazer pensar no seu corpo nu e quente. Não era essa a proposta. Mas que droga!

Você faz uma pausa pra tomar um gole de café. De repente dá um pulo de susto. Queimou os lábios. Morde o lábio superior devagar e me olha com os olhos brilhando de quase lágrimas. Eu estou de boca meio aberta, reflexo do susto que tomei. E aí teus olhos mudam, o brilho é outro... Eu já vi esse brilho antes, mas onde e quando? Esses segundos de olhos nos olhos, esse seu olhar, quando eu vi isso? Maldita! É seu olho de fome! Feito um estopim de bomba eu vi tudo e entendi tudo. Li sua mente maquiavélica e sedutora. Como consegue? Você quer! E quer tanto.Como não pude perceber que você exalava essa vontade e essa dominação de mulher alfa? Culpa dessa cortina de cílios que me confunde.

A partir dali a conversa foi entrecortada, estranha, sem nexo. Eu já estava inquieto e louco pra colocar as mãos na sua cintura fina e fazer você ficar presa ao meu quadril. Não sei onde enfiar as minhas mãos, a não ser no meio do seu cabelo ou segurando suas coxas firmes.
"Preciso ir embora"
"Eu acompanho até em casa. Já é meio tarde né?"
"É..."




Fui embora. De novo. Desculpa amor, não sei ficar.