Tem música,
gente, bebida, olhares, galanteios e saias coloridas balançando na brincadeira
de tocar de leve as pele sensível das mulheres. Tem eu, no salto, no perfume,
no desejo e no coração brincando de São Silvestre. E nem balancei minha saia
ainda. E nem vi seu sorriso de canto, escondido de mim e do mundo. Nem vi onde
meu ar foi parar quando entrei. Vi a pista, vi os músicos e vi a mim vagando
pelo espaço meio cheio, meio vazio, meio meio. Alguém me tocou o ombro e pediu
“vamos abrir os trabalhos?”. E, ao ver aquele par de olhos âmbar, abri
trabalhos, sorrisos, abraços e pernas para encaixar seu par de pernas, braços,
olhos e intenções.
Carregá-la pelo salão é a coisa mais fácil
do mundo. Ela é entregue, confiante. Tão
confiante que eu me pergunto se me deixaria levá-la pra longe dali, para uma
dança nova, com tecido quase acrobático. Mantenho-me firme para que nada mais
abaixo resolva ficar firme também. Quando ela dança, ela não conversa muito, às
vezes solta uma risada quando erra o passo, mas já gruda no meu peito outra vez
e sai balançando o vestido por aí. Ela me dá calor. Pelo ambiente, pela dança,
pelo corpo que ela cola no meu, pelas coxas que abraçam a minha perna e por
esse tesão do caralho que ela me dá.
Sempre acho
que depois de dançar com ele saio de rímel borrado e cabelo em pé. Porque apoio
meu rosto no peito tentando me acalmar e tentando arrumar um só eixo pros
giros, e ele encosta o rosto no topo da minha cabeça. Aposto que fecha os
olhos, já o vi dançando assim. Aliás, nem olho muito, porque quando o vejo
dançar perco o passo. Perco o ar e perco os sentidos querendo ser eu a me
emaranhar por aquele abraço gigante. Dançando com ele eu relaxo as mãos e o seguro
pelo pescoço. Sinto uma corrente fina pela palma da mão. Curioso como os homens
que mais me provocaram suspiros e disritmias usavam uma corrente no pescoço.
Geralmente escapulário. Geralmente presente da mãe. E, essas correntes, ficavam
mais encantadoras ainda quando deitados e sobre mim, a corrente me roçava os
lábios e se balançava pra frente e pra trás.
Na salsa, ela mexe os quadris como se não
tivesse ossos, não tivesse vergonhas, não tivesse ninguém. Mas sempre achei que
mesmo que ela estivesse dançando aqueles ballet com saia cor de rosa e coque no
cabelo, os olhos ainda teriam aquele tom profundo capaz de engolir inteiro,
como se você estivesse nu e sozinho e ela, tirana maldita, ri da sua vergonha
enquanto os olhos secam cada pedaço de pele exposta. Ela dança sempre de olhos
fechados e, quando a música a agrada, sorri. Mas não encosta no pescoço. Isso
ela só faz quando se prepara para o bote. O meu, ela já brincou de deslizar a
mão diversas vezes. Uma, duas, direita, esquerda. É tanta pele na pele que se
fizer exame DNA dá confusão. Tem eu e tem ela ali no meio. Tem tanta coisa que
o bioquímico vai pedir demissão. Vai achar que é criação nova e vai fazer o
sinal da cruz. E não tem nada de novo. Tem só gente querendo se fundir numa
coisa só.
A música
diminui de ritmo e deixo as duas mãos no pescoço dele. Meus pés mal saem do
chão e os quadris ele guia no balançar das pernas grossas. A coxa entre minhas
pernas me roça a pele devagar, e o tecido leve do vestido ameaça me descobrir e
diminuir os entraves entre o corpo dele e o meu.